Minhas (primeiras e espero últimas) Férias

Minhas (primeiras e espero últimas) Férias

 

Não estou na mais na escola mas, passados muitos anos, me volta a vontade de escrever sobre férias. É quase uma auto reflexão, então por favor não se importem de deixar de ler no meio se ficar muito pessoal…

Fiz minha primeira venda aos 5 anos de idade.

Eu borda-brinca-trabalhava sentada num degrauzinho na porta da casa onde eu nasci, que dava pra rua, então enquanto eu tecia as pessoas viam, perguntavam, e um dia, tendo acabado uma obra, uma senhora me perguntou se eu venderia aquilo.

Eu disse que sim e voltei pra casa com um elogio e espantosos 5 mil cruzados, o que comprava uma porção de doces.

Aos 8 minha mãe trabalhava numa confecção do lado de casa. Além de costurar ela tinha que embalar cuecas para venda. E lá fui eu, e toda a minha família, ao diverti-trabalho. Parecia árduo para quem via de fora, mas quem estava lá sabe que era muito, muito gostoso. Meus primos vinham nas suas férias ajudar aquilo a acontecer e as vezes a gente ainda ia para na oficina onde meu pai trabalhava, ajudando na consertar limpar os carros dos clientes.

Nas minhas férias eu devolvia a visita ia ver primos e avós e sempre, sempre, havia trabalho envolvido. De construir uma piscina para nós no sítio da avó Joana (se vocês querem uma piscina vão fazer uma piscina) a vender hamburgueres no bar da tia Madalena no Clube de Campo de Pinhal.

Férias – Lembranças – Trabalho

Em todas as minhas férias minhas melhores lembranças remetem ao trabalho e ao que aprendi com ele, à convivência humana e ao resultado e reconhecimento das nossas criações.

Bazinga! Mistério decifrado: eu sempre amei trabalhar, e talvez porquê a minha ideia de diversão e trabalho estivessem tão misturadas a ideia de férias como parar de trabalhar nunca fez sentido…

Vim dotada de uma capacidade elástica em relação a finanças, posso viver com muito ou muito pouco dinheiro com a mesma satisfação, motivo pelo qual o dinheiro envolvido nunca foi a razão fundamental do fazer. (Aliás acho que todo mundo veio dotado disso e que um dia trabalhar para sobreviver não será mais necessário!!!)

Nunca entendi, e nunca vou entender, como as pessoas vendem por dinheiro um terço de suas vidas condensando nos finais de semana e férias sua capacidade de alegrarem-se. Nunca entendi como alguém pode não gostar de falar do seu trabalho, por que não é o que a gente diz ou pensa , mas o que a gente faz, que nos define no mundo.

Sempre me coloquei em situações em que fui paga para fazer algo que eu naturalmente faria de graça se alguém me desse casa, comida e abrigasse meu filho. Muitas vezes a grana do trabalho foi auto investida nele.

Lembro com carinho de enrolar doces no buffet, de servir, de me vestir de Emília pra animar as festinhas de gente meio que da minha idade. Lembro ainda com mais carinho dos trabalhos no centro acadêmico, do nascimento da assistência jurídica, dos congressos, do cursinho pré vestibular para o qual eu dava aula de matemática para pessoas incrivelmente determinadas, nas férias…

Veio o bar, às quintas feiras, quando o movimento era pequeno, quem estava lá se lembra que a mesma menina que atendia a porta, cozinhava, fazia os drinks, servia, dava as aulas de dança, fazia a faxina completa e discotecava. Quando eu deixei o bar passavam por ali 500 pessoas no mínimo por final de semana, eu passava a maios parte do tempo interagindo com elas, e se aquilo era trabalho, eu não sei o que são férias.

Ao mesmo tempo o escritório de advocacia, um negócio genuinamente meu, cercado de congressos, viagens, casos pelo país e pelo mundo (porque de direitos humanos) e eu pensava, a cada viagem, que aquilo só podiam ser as tais férias.

Tudo vira arte se no trabalho há alegria.

Viajar, escrever, lutar pelo que eu acreditava, conhecer pessoas incríveis dedicadas a alma a causas sociais de impacto, a vontade delas de produzir e sua capacidade de amar nunca, nunca, nunca, entravam em recesso e em cada viagem dessas um dia sempre para ambientar ao lugar, pisar na terra descalça, mergulhar na fontana de Trevi, passar uma noite inteira jogando xadrez com um gênio, tomar um café feito por um dos caras que inaugurou o mercado musica no país, ouvir as intermináveis ideias geniais do Augusto de Franco e do Chris Anderson, me cercar de pessoas a quem eu amo demais, agradecer a Deus e celebrar com elas enquanto produzíamos.

Como artista eu sempre gostei de me ver perdida em autenticidade nas coisas que eu crio, um poema, uma música, uma peça jurídica bem escrita, uma talk, um evento, uma aula, um bom sanduíche… tudo vira arte se no trabalho há alegria.

Talvez por isso tanto apego ao trabalho, ele é em si uma forma de expressão do que eu tenho de melhor. Nunca me sujeitei a fazer algo sem antes me comprometer a fazê-lo com o máximo de dedicação e nunca me propus a fazer algo que não incluísse as minhas opiniões e características de forma autêntica.

Porque você não está feliz

Já dizia Pessoa:

Para ser grande, sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui”

O trabalho nunca me cansou, e as vezes que eu chegava em casa reclamando de algum cansaço eu obtinha duas respostas uma do meu sábio pai que dizia: O que cansa não é o trabalho, é a aporrinhação

E a outra do pai do meu filho: “Para quem trabalha com a cabeça cansaço é falta de entusiasmo e entusiasmo e a alegria da alma”

A lição? Questione-se porque você não está feliz… e lá ia eu a me questionar.

Aprendi com o questionamento que toda a vez que eu precisava aparentemente de descanso na verdade o meu cansaço residia em algo a mais, propósitos que deixavam de fazer sentido ou equipes que deixavam de ser estimulantes ou pouco espaço para que eu fosse eu. Disfarçar a minha personalidade ou me trancar numa salinha nunca funcionou mesmo que sobre isso eu tenha escrito até poesia).

Vou me trancar numa salinha bem pequenininha/ Pra ver se o tamanho das paredes./Diminui a imensidão das minhas ideinhas disconexas./Antes que elas queiram tomar o espaço dos mundos todos que há por aí. E antes que eu perceba que não há corpos compridos pra que se alcance com a cabeça a Lua e com os pés o chão./ O ar de cima é rarefeito e o peixe, me disseram, é do tamanho do aquário./ Vou me trancar numa salinha, pro mundo não ter medo, pro mundo não correr perigo./ Tô tomando juízo e o gosto é horrível.

Pessoas e propósito é isso que chamo de férias.

Durante muito tempo o propósito e as minhas equipes de trabalhos foram decisivas para que eu abrisse ou fechasse um negócio, aceitasse ou não um cliente, me envolvesse ou não em um projeto.

Com a idade e a rede, hoje o que me faz estar descansada são os objetivos que quero/posso atingir.

É assim não só comigo, investigue os motivos de aceleração da Y combinator, a razão pela qual Nando Reis e Cássia Eller faziam sucesso, e está lá… pessoas e propósito.

Se você voltar aos seus maiores momentos de alegria vai estar lá, pessoas e propósito e é isso, bem, é isso que eu chamo de férias.

Se você não está em férias enquanto trabalha eu tenho alguns pequenos conselhos a dar:

  1. Volte pra dentro e procure algo que você tenha feito no qual você por inteiro possa se expressar.
  2. Descubra num MeetuUp ou no Linkedin onde estão as pessoas que fazem isso com alguma frequência e encontre as pessoas que por afinidade fazem com que você se sinta no máximo do seu potencial, mesmo que cercado de defeitos.
  3. Visualize o lugar que você quer ocupar e escreva qual é o job description, o que você precisaria para estar lá…
  4. Fatie o job description e comece, degrau a degrau, se preparar para estar lá.
  5. Se tudo falhar, pergunte ao Einstein, ao Musk, como fizeram pra nunca pensar em férias…

Quando a oportunidade chegar, eu aposto, você vai estar pronto para entrar de férias trabalhando árdua e alegremente por muito e muito tempo!

 


Texto originalmente publicado no LinkedIn 

 

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Marcia Golfieri

Ecosystem Developer for Research and Innovation at IBM THINKLab