É preciso falar de McMindfulness | por Natasha Bontempi

É preciso falar de McMindfulness | por Natasha Bontempi

por Natasha Bontempi

Viver verdadeiramente de Mindfulness é estar plenamente consciente das suas emoções, os impulsos que elas geram e então poder decidir o que fazer.

Nas últimas semanas, recebi uma enxurrada de artigos falando do tal McMindfulness. Uma sensação de incômodo no estômago toda vez que leio. Meu primeiro sentimento foi de raiva e depois aversão: como alguém pode falar isso de algo que eu tenho evidências mais que suficientes que pode ser algo transformador? É tipo falar mal da minha mãe! Não vou ler mais essas coisas!

Mas a gente para, respira, reflete. Aí li com todo carinho e atenção. E eu precisava concordar com eles em uma parte da história.

Só que eu não posso deixar que essa oposição grite porque, em algum momento, só essa voz será ouvida e aí banalizarão algo que pode trazer um real benefício a todos.

Mas afinal, o que é esse McMindfulness?

Foi um termo cunhado em 2013 pelos autores o Ron Purser e David Loy, no artigo Beyond McMindfulness. Diz respeito ao uso da prática da Atenção Plena principalmente por corporações para entorpecer seus funcionários, reduzir o estresse e as consequências dele. Torna a “força de trabalho” mais produtiva. Assim, podem socar mais trabalho nesse indivíduos e favorecer os ganhos dos acionistas. Porque óbvio, ainda que você receba um bônus bem gordinho, está longe de ganhar o que o seu trabalho realmente vale.

Sim, meus queridos, Marx já falava dessa parada aí faz um tempo. O que vemos hoje com essa e outras práticas relacionadas ao bem-estar é consequência de um desespero do sistema que está decadente e que já enxugou todas as falhas das máquinas e dos processos, está na hora de enxugar os seres humanos. É preciso ter mais foco! Um dos artigos que li, de uma lucidez absurda, traz o fato de você reduzir a resposta ao estresse, mas sem reduzir as causas dele (além de falar do desrespeito com a tradição oriental milenar) que estão na política, economia, na forma como a gente lida com as pessoas e o meio ambiente.

O caminho natural do Mindfulness: sair do indivíduo e ir para o coletivo

Há 2 semanas, participei de um curso sobre Ecopsicologia. Essa linha traz a luz que a nossa separação da natureza (importante dizer que nós somos natureza também, mas não nos reconhecemos nela), no uso do meio ambiente para servir o Homem, sem pensar nas consequências tem sido o responsável por boa parte os distúrbios psicológicos que temos enfrentado e que tem crescido nos últimos tempos.

Ora, eu bem me lembro do meu professor, o professor Jangchub Reid dizendo que o trabalho do Mindfulness é trazer consciência de que estamos todos interligados e, logo, desperta um sentimento de profunda compaixão. É sair do eu e ir para o coletivo.

Fico chateada quando as pessoas banalizam a palavrada compaixão, dizendo que é um ato de gente boazinha, que distribui cobertor e sopa em dias frios. Isso é assistencialismo (não invalido a necessidade disso para quem passa frio e fome). Muito longe também é achar que esse sentimento é deixar que todo mundo passe por cima de você. Costumo dizer que compaixão é um passo além da empatia: é um desejo profundo de que todos os seres possam ser felizes, livres do sofrimento e viverem em paz. Ainda que seja pelo motivo de que gente feliz não enche o saco.

E se empatia já entrou no seu vocabulário com menos julgamentos, que tal dar lugar a compaixão também?

Ah! A ética nesse trabalho…

Esse mesmo professor que citei acima me ensinou a ser ética. Afinal um atirador de elite com plena atenção pode fazer um belo estrago. Preciso ser ética também no tocar com outro ser humano em sofrimento (ainda que ele nem perceba que esteja sofrendo), a não prometer nada que eu não possa cumprir. Então eu não prometo a cura de todos os males a nenhum aprendiz meu. Também não prometo produtividade alguma para as empresas. O que eu sempre digo é o que o praticar pode trazer e tudo depende de indivíduo para indivíduo.

Inclusive, ultimamente, ando meio avessa a apresentar números. Números não são muito fieis para racionalizar o subjetivo. Em vez disso conto histórias. Conto a minha, uma pessoa com insônia, extremamente agitada, que passava por cima de muitos sentimentos (principalmente os meus) e que a prática tem trazido cada vez mais serenidade e leveza (ainda que haja um grande caminho a percorrer). Conto a história do colesterol que baixou, dos armários que foram abertos, dos conflitos de trabalho que deixaram de existir, de psicotrópicos que foram suspensos, junto com o acompanhamento médico especializado. Mas conto também do pedido de demissão por diferença de valores e de quando a consciência leva o foco para resolver algo pessoal e não do trabalho porque naquele momento é a prioridade.

Essas histórias são tão lindas! De pessoas extremamente engajadas com seus processos pessoais, muitas delas eu acompanho de perto, algumas se tornaram instrutoras de Mindfulness, tamanha a transformação.

Também me incomoda um pouco quem me pede para fazer de qualquer jeito para caber no budget ou para cumprir tabela já que todas as empresas estão fazendo. Eu vou fundo, quero entender qual a intenção e, a partir daí faço o meu trabalho. Discutimos preço, mas o método, quem decide sou eu e não negocio.

Então sim. Precisa de ética. Não dá para pôr na mão de qualquer pessoa nem qualquer aplicativo. A formação de Mindfulness é puxada. Exige um comprometimento infinito com o nosso próprio processo de desenvolvimento pessoal.

Os 3 A’s do ensino

O Jangchub, por exemplo, trabalha com base nos 3 A’s: Autoridade, Amizade e Autenticidade.

A autoridade se dá pelo estudo contínuo de temas relevantes. Leitura, cursos, aprofundamentos. Ainda que a gente não aprenda a nadar lendo livros, é importante saber falar sobre o que a neurociência vem descobrindo (e que os praticantes descobriram milênios atrás) e tem muitas preciosidades escritas por grandes metres servindo de profunda inspiração.

A amizade tem a ver com o aprendiz sentir que está num ambiente aberto e confiável para escorregar para dentro de si mesmo, sem receios, sem julgamentos. Existe todo um tensionar e afrouxar, um ajuste fino como as cordas de um violão.

A autenticidade tem a ver com a prática do próprio instrutor. Quão engajado ele está com o próprio processo? O quanto ele faz além do que ele sugere a seus aprendizes? Como ele se aprofunda na prática pessoal? Ele faz retiros frequentes?

Eu acredito que é esse último A que traz os demais. Queridos, há algo errado se o seu instrutor não medita pelo menos o dobro que você, se ele oferece 1 dia de silêncio dentro das 8 semanas e não entra em profundo silêncio por pelo menos 10 dias. Há algo errado se ele não é exemplo.

Há também aqueles que propõe fórmulas mágicas ou os que trazem arrogância no seu discurso. Esses jamais poderão levar a um estado genuíno de compaixão mesmo. Precisam se apaziguar primeiro.

E preciso dizer que tem aqueles que usam ferramentas de marketing que hipnotizam as pessoas. Eu sei que todo mundo tem boleto para pagar, mas é preciso trazer a público seu trabalho de maneira consciente.

E há também instrutores inspiradores que estão fazendo trabalhos incríveis em comunidades. Realmente engajados em fazer o negócio escalar para os que não tem acesso e privilégios.

Vai lá, investigue a intenção do instrutor, da mesma forma que eu investigo a dos meus clientes.

Olha, cabe aqui eu fazer um comentário: a gente só ensina o que precisa aprender. Então nenhum instrutor é perfeito. Só fomos estudar mais a fundo porque sabemos que somos uma pedra que precisa de muita lapidação. E ajudar os outros nesse caminho ajuda a nós mesmos. Mas não espere que sejamos o Buda! Por favor!

Mindfulness e a tradição budista

E já que falei em Buda, vale aqui trazer ele para esse textão. Afinal o Mindfulness sim, saiu de seus ensinamentos. Eu diria que é só a ponta do iceberg do que ele deixou. Mas como um bom iceberg já é muita coisa. Um trabalho para uma vida de um indivíduo comum como eu e você.

Ao contrário do que os outros acreditam, esses ensinamentos não formam uma religião, não são uma filosofia tampouco. Costumo dizer que são experiências oferecidas com uma técnica habilidosa de ensino, que usa todos os sentidos. Vai lá, testa em você, se funcionar , ótimo! O grande objetivo? Ver todos os seres livres do sofrimento.

Ao tratar de Mindfulness, minimamente precisamos respeitar esse legado que vem dando certo há mais de 2500 anos. Não é a toa que, o último Congresso de Mindfulness aqui no Brasil trouxe muito a questão de estudar a tradição e a compaixão. Parece que os próprios cientistas já sacaram que precisamos nos conectar com a essência dessa parada toda.

Mindfulness é o Cavalo de Tróia e o Robin Hood e eu amo muito tudo isso

E se eu for questionar todas as políticas que levam melhor qualidade de vida para os funcionários, teria que questionar também o plano de saúde, seguro de vida, previdência privada etc. Quantas pessoas se amarram a trabalhos desumanos para garantir que o filho possa ter acesso a um hospital particular? Sacou?

Ok. Ainda assim vai ter gente interesseira, querendo ganhar grana em cima de profissionais altamente focados. Empresas que se envolvem em escândalos. Companhias que fazem partes de setores que só destroem pessoas e o planeta.

Para essas eu digo: vem ni mim! Porque, de verdade, confio no caminho que essas práticas podem levar. Eu me sinto quase que no Cavalo de Tróia: entrando e hackeando o adversário por dentro. Também me sinto meio Robin Hood. E isso me traz uma satisfação tremenda! É uma forma de levar um alívio para lugares que permanecem na escuridão. Aos poucos, luzes vão se acender e vamos juntos questionar o sistema. E, porque encontramos uma forma de fazer isso, não posso permitir que seja manipulada ou posta só às sombras.

Vamos deixar a alta produtividade para as máquinas que são ótimas nisso e nos ocupar em sermos mais humanos.

Pode passar a tormenta que for e eu sigo otimista.

Está com dúvidas sobre Mindfulness, sobre quem procurar para começar algo individual ou para a sua empresa? Pode me procurar por aqui ou no meu Instagram @cafecommindfulness. Prometo praticar o não julgamento com você!


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Natasha Bontempi

Facilitadora de desenvolvimento humano e líder de Mindfulness. É uma "believer" e ativista pelo auto-conhecimento.