Nossa Educação Está Carregada de Medo | por Hellene Fromm

Nossa Educação Está Carregada de Medo | por Hellene Fromm

Faz tempo que venho pensando sobre as emoções que me formaram e me conduziram ao mundo adulto. Percebo que muitas vezes existe uma dificuldade de, lá no fundo, conseguir pescar a emoção que me capturou numa determinada situação, seja ela qual for.

Alguns estudiosos dizem que as emoções autênticas são 5, outros mencionam 6, outros dizem que chegam a 27, derivadas das 5 originais.

E você, consegue sentar neste momento e colocar no papel quais seriam essas 6 emoções primárias? Sabe distinguir uma emoção de um sentimento?

Gosto muito do estudo do Paul Ekman que – talvez vocês não saibam – prestou consultoria para produção do filme Divertida-Mente (Inside Out) dos estudios Pixar. Raiva, tristeza, alegria, surpresa, nojo e medo são nossas emoções básicas, segundo ele. Destas emoções, ao longo do nosso crescimento e desenvolvimento, vamos aprendendo a disfarça-las aqui e ali e, no final, temos um acervo tão grande de sentimentos que fica realmente difícil acessar profundamente as emoções dentro de uma situação.

Toda essa introdução para compartilhar com vocês algo que venho percebendo em mim nos últimos meses. Descobri que se chegasse no meu estoque de bolinhas coloridas, aquelas prateleiras gigantes dentro da mente da Rilley, me encontraria com muitas bolinhas de cor lilás.

Aqui não quero cair no julgamento. Foi uma constatação leve e profunda de que o medo foi a emoção formadora protagonista da minha experiência até aqui. Pude recordar tantas coisas, mesmo nos momentos onde aparentemente sentia pura alegria, raiva, nojo, tristeza ou surpresa, lá estava o medo, coladinho na grande maioria das experiências, ou antes, ou depois, mesmo que eu tentasse – e tentei! – não reconhecê-lo, ele estava lá.

Ao me deparar pensando nas histórias, situações, relações lembrei de tantas frases onde me eduquei para não sentir medo…

            Se dá medo, vai com medo mesmo!

            Não faça isso, se não…

            Medo, eu?      Sou destemida.

                                   Corajosa.

                                   Dura na queda.

                                   Forte.

                                   …

E não que eu não seja um pouco de tudo isso também! A questão é que percebi que não me permitir sentir medo me fez ter medo do medo. O que me trouxe características controladoras, antecipativas e estratégicas e essas características, muitas vezes, me retiraram o direito de me surpreender, o direito ao assombro.

Não pude deixar de estender esse olhar para a relação com as minhas filhas e, como eu estava no modo “atenção seletiva” para o medo, pude perceber como ele esta no meu discurso materno-protetor.

            Não põe o dedo na tomada, se não vai tomar choque.

            Coloca o cinto de segurança, vai que acontece um acidente e você se machuca.

            Vai se cortar.

            Vai cair.

            Vai ficar doente.

Um montão de falas, que ao invés de me colocar no papel de adulto que suporta e esta presente, acabo transferindo e comunicando a futura consequência, que na maioria das vezes é trágica, afim de educar e proteger as minhas filhas, mas sem a consciência de que o que quero, em realidade, é obediência na ação, restringindo a liberdade delas, camuflando o (meu) medo.

Foi refletindo e observando que descobri mais uma característica da minha falta de habilidade em entrar em contato com o meu medo, as minhas antecipações sempre me colocavam no futuro, perdendo a oportunidade de estar atenta e consciente no presente.

Antes que salte à sua mente a pergunta: e a proteção física da criança? A preservação física deve prevalecer, sempre. Mas como seria educar sem o elemento da consequência ruim/trágica? Será que me apoderando do medo – que é meu – ao invés de transferí-lo na roupagem de proteção no meu discurso, posso educar de uma forma mais consciente, portanto mais leve? Perguntas que ainda estão em aberto.

E ainda tem o desenrolar dessas histórias, quando algo que “avisei” acontece, existe o desdobramento de acolhimento e afago, seguido de palavras de consolo: “não foi nada”, “esta tudo bem”. Imagino a contradição que isso deve gerar, não só nas crianças mas em todos nós. Principalmente porque, socialmente, sentir e expressar medo, raiva, tristeza e nojo tem baixa aceitação, o que torna ainda mais difícil para todos nós acolhermos essas emoções em nós mesmos. Tentamos minimizá-las porque dentro de nós também é difícil experimentar essas emoções.

Não quero educá-las para não terem medo, quero educá-las para não temerem sentir medo, que saibam que sentir medo é normal, é certo e é real e que nós, como pais, estaremos aqui para ajudá-las a atravessar os momentos onde experimentem medo até que tenham seu próprio repertório, uma bolsa recheada de memórias que lhe tragam confiança e segurança, em liberdade. As vezes penso que é essa humanidade que buscamos nas nossas relações, a possibilidade de reconhecer o puramente humano.

Que elas  não precisem levar adiante o medo do medo, mas que essa emoção assim como a raiva, a tristeza, o nojo, a alegria e a surpresa sejam emoções conhecidas e experimentadas para que possam usá-las como bússola da sua própria humanidade, semente de um autoconhecimento verdadeiro, sem necessidade de tantos disfarces.

Nessa viagem que estou empreendendo, quase como um flerte com o medo, pude entender porque (ou seria para que?) temos tanto medo do futuro, do desconhecido e esse nosso constante reagir.

O medo está tão camuflado no discurso para que sejamos uma humanidade de obedientes.

Talvez seja uma ideia romântica, mas me pego pensando que as pessoas extraordinárias, os futuristas mais entusiastas, não sejam os destemidos, os sem medo. Talvez sejam aqueles que escolheram fazer as pazes com seus medos, não lutar, não fugir, muito menos não sentí-los e sim convidá-lo como ingrediente super humano secreto.

Voltando na minha galeria de bolinhas brilhantes agora estou pronta para armazenar uma nova memória preciosa, ela é uma mescla de medo com surpresa, emoção que não foi contemplada no filme, e que para mim é laranja. Minha bola seria uma reluzente mescla de lilás com laranja para me fazer recordar desse gostoso sentimento de assombroso descobrimento do inédito em mim.


Comentários Via Facebook
compartilhe

Hellene Fromm

Psicanalista, Coach, Consultura de Carreiras & Escritora. Tem a missão de despertar o "Ordinário Extraordinário em Nós".