A Pandemia Trouxe o Surgimento da Cultura do Cuidado

A Pandemia Trouxe o Surgimento da Cultura do Cuidado

Humanização é uma palavra frequentemente citada para descrever a nova realidade das relações desde a emergência do coronavírus. Fragilizados, profissionais expõem suas dificuldades pessoais, à medida em que se esforçam para continuar trabalhando e, ao mesmo tempo, negociar os efeitos da pandemia em suas famílias, comunidades e empresas.

Neste cenário, mães que lideram seus próprios negócios ou que atuam como profissionais em organizações estão respondendo a uma realidade que se tornou ainda mais desafiadora – já que mulheres precisam dar conta de seus lares, família e trabalho num contexto de home office. Mas como a digitalização atual tem impactado o lado humano deste novo jeito de trabalhar e viver?

“Empresas tradicionais foram forjadas com base em pilares como o presenteísmo, que sempre foi um forte indicador de desempenho. Com a transformação digital e a pandemia, a conversa sobre performance com base em entregas se torna mais palatável”, diz Dani Junco, CEO e fundadora da B2Mamy, aceleradora de negócios para mães empreendedoras.

Apesar dos inúmeros problemas pré-existentes que mães enfrentam para conquistar seus espaços no trabalho e que foram exacerbados pela pandemia, a empreendedora observa que mulheres com filhos estão atualmente demonstrando e validando dois de seus grandes atributos: a capacidade de cuidar e de se adaptar rapidamente à situações de crise.

“[Com a emergência da Covid-19] sai de cena a cordialidade e entra a intimidade, a questão de ter que tratar da saúde mental das pessoas e de cuidar delas de forma geral. Saímos da cultura do comando para a cultura do cuidado, e quem mais se envolve nestas questões são as mulheres que têm filhos”, ressalta Dani. “A capacidade de adaptação ao outro de forma veloz também é muito maternal e extremamente relevante nas atuais circunstâncias.”

Por outro lado, as competências socioemocionais típicas de mães não querem dizer que lidar com a atual situação seja fácil: o grupo que detém o poder em organizações, em sua maioria masculino, ainda precisa dar mais atenção às dificuldades que estas mulheres estão enfrentando no contexto atual.

Segundo Camila Santos, consultora de aquisição de talentos na consultoria de diversidade B4People, a situação de trabalho remoto é de extrema pressão para intraempreendedoras, profissionais sêniores que não raro estão na linha de frente do desenvolvimento de produtos e serviços e, consequentemente, da resposta destas empresas à crise.

“Se, por um lado, vemos uma aparente empatia com respeito à, por exemplo, presença de crianças em calls no Zoom, na prática estas mães estão sendo mais cobradas: a empresa entende que a mulher está em casa e portanto precisa produzir mais”, aponta. “Ninguém quer ficar para trás, especialmente numa situação de crise. Mas estas mães estão sobrecarregadas, e ainda não vejo uma atitude concreta sendo tomada sobre isso”, acrescenta, ressaltando que ações como pesquisas de clima são necessárias para que empresas possam entender o contexto individual de cada mãe e tomar decisões como permitir jornadas remotas mais flexíveis.

APOIANDO A DIGITALIZAÇÃO

No que diz respeito às mães que tocam seus próprios negócios, a pandemia provocou uma grande transformação digital em mulheres que têm filhos e lideram seus próprios negócios. Segundo Dani Junco, a reinvenção é palavra de ordem no ecossistema da B2Mamy, e a própria startup, cujo modelo de negócio tem eventos como um de seus pilares, tem passado por este processo.

Existe diferença, no entanto, entre mães que possuem um colchão financeiro e traquejo tecnológico, e as que dependem da continuidade de seus negócios para sobreviver e não tinham tanta dependência de ferramentas digitais: “As que já empreendiam antes tiveram que fazer uma movimentação de pensar em produtos e serviços e usar tecnologia para fazer isso acontecer”, explica.

O segundo grupo inclui mulheres que se viram obrigadas a encontrar formas de digitalizar seus produtos e serviços, muitas vezes ofertados de forma predominantemente presencial. Segundo Dani, muitas destas mães partem de uma condição de “analfabetismo digital” e tem muita dificuldade no processo.

“[Mães empreendedoras] que já tinham mais contato com tecnologia são uma parcela muito pequena da sociedade. As que não tinham conhecimento além de Facebook Instagram tiveram que virar a chave e muitas não estavam preparadas para isso”, aponta.

Segundo Dani, a B2Mamy já fez 18 encontros virtuais desde o início da pandemia para tentar apoiar o processo de digitalização da sua rede de empreendedoras. Refletindo sobre os relatos feitos por mães nestas conversas, ela ressalta que um dos desafios frequentemente citados tem a ver com a falta de apoio de companheiros na pandemia.

“Os homens também estão trabalhando de casa, mas muitos continuam fazendo suas videoconferências e mantendo suas próprias dinâmicas de escritório, mesmo com as crianças o dia todo em casa”, conta.

Existe um grande número de plataformas digitais oferecidas de forma gratuita durante o atual período de emergência que podem ajudar mães a alavancarem seus negócios. Ao mesmo tempo, porém, Dani nota que essa enorme disponibilidade de ferramentas pode apresentar barreiras, principalmente para mulheres que não têm familiaridade com tecnologia.

Ciente das complexidades tecnológicas de uma parcela das mães, a B2Mamy tem atuado como curadora, associando tecnologias e profissões emergentes às habilidades destas mulheres ou retreinando, com o objetivo de gerar renda e empregos.

Já existem histórias de sucesso: “Uma das nossas empreendedoras, que faz serenatas, saiu de um faturamento de R$ 3 mil para quase R$ 40 mil usando tecnologia e ganhando escala com gravações digitais”, conta Dani.

Sauanne Bispo: ajudando mães da periferia a se reinventarem com tecnologia

ALÉM DO PRIVILÉGIO

Apesar da importância da tecnologia para a sobrevivência de negócios de mães na crise, Dani ressalta que é importante não aplicar a mesma lógica a todas as mulheres que enfrentam a necessidade de digitalização para garantir o sustento. Segundo a fundadora da B2Mamy, muitas mulheres, especialmente negras e em regiões carentes, estão distantes da realidade conectada e possibilidades de mães brancas e privilegiadas.

Buscando ajudar a endereçar estes problemas, a startup se uniu às empresas WisheFilhos no Currículo e BBO, que se preparam para lançar, no dia 30 deste mês, um programa de educação na área de tecnologia para mães da periferia. O Womby fornecerá educação subsidiada para as participantes, que receberão uma bolsa durante um período de quatro a seis meses para realizar as atividades e estudar. A iniciativa conta com R$ 100 mil de recursos que incluem crowdfunding, mas busca apoio institucional para garantir sua evolução e continuidade.

Segundo a diretora de operações da Womby, Sauanne Bispo, antes de tratar a capacitação técnica para equipar mulheres com filhos para as profissões do futuro, o programa inclui um processo que busca trabalhar a percepção das mães da periferia quanto às possibilidades oferecidas pela digitalização e romper uma série de paradigmas.

“Vamos trabalhar não só ferramentas tecnológicas, mas os soft skills necessários para reforçar a consciência dos espaços que podem ser ocupados por essas mulheres periféricas,” aponta Sauanne, que também é coordenadora de nova economia e desenvolvimento territorial na Fundação Tide Setúbal, que tem um espaço, o Galpão ZL, voltado à população de São Miguel, na zona leste da capital paulista. “É muito comum que estas mulheres sejam babás e domésticas e é difícil que elas se enxerguem como empreendedoras que usam tecnologia para exercer seu trabalho.”

“Queremos trazer novas perspectivas para estas mulheres, que muitas vezes têm suas patroas como referências, de que podem ir além e ter autonomia para prestar serviços a outras pessoas ou empresas sem sair de seus contextos periféricos”, explica. “Quando esta barreira psicológica é rompida, e o processo é conduzido por pessoas semelhantes, que entendem as histórias destas mulheres, o aprendizado tecnológico flui.”

Sauanne conhece bem o impacto positivo que a digitalização pode trazer. Sua agência de viagens e experiências especializada em países africanos, a Go Diáspora, foi alavancada com uso de tecnologia e redes sociais. Com a pandemia, ela está reinventando o negócio, também com ferramentas digitais.

“Se existe uma característica central de mães e mulheres é a resiliência. Em uma pandemia, precisamos utilizar recursos tecnológicos a nosso favor”, aponta. A ideia é trabalhar com o lúdico e criar experiências virtuais, e assim expor potenciais turistas à países que nunca visitaram, antes da viagem propriamente dita.

“O propósito [da Go Diáspora] continua mesmo nessa fase de isolamento social e restrição geográfica: quando tudo isso terminar, uma das coisas que vamos querer é exercer nossa liberdade.”

Fonte: Forbes Insider


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Solange Luz

Ela é a construção de todos que conheceu e de tudo que viveu, especialista em sonhar acordada e falar consigo mesma. No Voicers é a CCC (Content, Creator & Curator), carinhosamente conhecida como Queen of Words.